A Última Jogada
A Última Jogada,  Histórias

01-05 – A Última Jogada | Treinamento | SÉRIE

Começamos a treinar arremessos, alternávamos a vez de cada um. Eu continuava errando a maioria, mas Daniela acertava todas, apenas quando tentava de muito longe que existia possibilidade de errar. Observava admirado o talento dela, se movimentava de forma perfeita, cada arremesso parecia que a bola se deslocava lentamente no ar. Ela me orientava de como deveria segurar a bola e equilibrar o corpo antes de arremessar, mas parecia difícil para mim, mesmo me esforçando ao máximo. Senti que precisaria de muitos anos de treino para arremessar com a mesma precisão que ela.

— Você está melhorando! — disse ela aplaudindo após eu fazer uma cesta de fora do garrafão. — Se esforçando desse jeito, pode até ser titular — ela riu e não consegui perceber se era sarcasmo ou otimismo.

E de alguma forma, aquelas simples palavras me animaram. Lembrei que não entrei no time para ser um atleta profissional, a verdade que não havia definido meu real motivo para estar disposto a me esforçar tanto. Apenas não gostava de fazer nada sem me esforçar ao máximo. Era como uma regra para mim, ou eu me doava por completo, ou não me dava o trabalho de começar.

Não demorou muito para Saulo chegar. O capitão logo se juntou ao treino de arremessos. Os restantes do time chegaram perto do horário marcado para iniciar. Dante não estava presente, mas já era o esperado.

Treinamento

O treino iniciou mais intenso que o anterior. Os exercícios foram pesados, mas logo o treino tático começou para meu alívio. Eu fui orientado de como me posicionar na defesa, de que precisava abrir os braços, flexionar os joelhos e não deixar o adversário passar, mas sem fazer falta. Pareceu difícil no início, porém, logo me habituei e me senti confortável na marcação. Finalmente havia algo que pudesse fazer bem. Me esforcei para proteger a ala que fui designado a defender. Não queria que nenhuma cesta fosse feita do lado que eu estava, e meus esforços foram produtivos.

— Nossa! Boa defesa! — elogiou Daniela quando roubei a bola de Gringo.

— O novato está um leão na marcação! — brincou Juan quando o pressionei na lateral da quadra.

Treinamento

Roubei a bola, mas não soube o que fazer quando estava com ela, logo fui desarmado por Juan que avançou em direção a cesta marcando mais dois pontos contra meu time.

— Desanima não, novato — começou a dizer o capitão. — A defesa está boa. Com o tempo você melhora o ataque.

Senti que finalmente poderia ser útil de alguma forma para o time e me esforcei ainda mais para impedir cada ataque. Nesse momento, Dante abriu as portas do ginásio fazendo um barulho proposital para chamar atenção. O time pareceu não se importar com sua presença e ele ouviu novos elogios aos meus esforços. Dante olhou desconfortável quando ouviua treinadora dizer:

— Aquece rápido!

O jogo se iniciou quando Dante entrou em quadra. Em sua primeira jogada ofensiva, fui marcá-lo confiante, mas não consegui pará-lo. Recebi um olhar travesso dele após fazer a cesta. A cada novo ataque do considerado melhor jogador do time, eu tentava impedir, e parecia cada vez mais próximo de conseguir. Meus esforços foram recompensados quando acompanhei Dante em uma infiltração no garrafão, consegui igualar as passadas e saltei junto com ele na bandeja, quando o impensável aconteceu. Com um toco, bloqueei o arremesso de Dante fazendo a bola quicar no chão e se distanciar da quadra. Todos os outros jogadores do time comemoraram como se fosse a vitória em um campeonato. Dante se enfureceu, mas não disse uma palavra, engoliu o ódio.

O jogo continuou e o time de Dante venceu novamente. Ele seguiu para o vestiário para tomar banho enquanto os outros jogadores conversavam recuperando o fôlego.

— Não acredito que o novato deu um toco em Dante! — dizia Juan com a mão no coração simulando um enfarto de tanta emoção.

— Aí está uma coisa rara de se ver — Gringo dizia pensativo. — para ser sincero, eu não lembro a última vez que ele levou um toco.

— No último treino do ano passado eu dei um toco nele — disse Saulo como se fosse algo comum para ele.

— Será que Dante não é mais o mesmo? — zombava Juan provocando risos em seus companheiros.

— Vamos lanchar para comemorar a volta do time? — propôs Gringo.

— Topo! — afirmou Juan.

— Pode ser! — disse Saulo.

Big e Sid também confirmaram presença.

— Novato? — perguntou Gringo. — Dani?

— Não vou poder ir. Tenho coisas para fazer em casa — disse Daniela.

— Ah, para! Faz amanhã. Vamos comemorar!

— Vão vocês, meninos. Aproveitem por mim.

— Ela nunca vem — começou a dizer Juan. — e você, novato? Vamos!

— Tudo bem! — confirmei.

— Saulo que vai pagar! — brincou Juan. — Capitão tem que dar exemplo!

— Pago o lanche de Gabriel com orgulho pelo esforço dele hoje. E pago com o maior prazer a qualquer um que dê um toco em Dante.

— Fechado! Quem der toco em Dante o capitão paga um lanche!

Todos riram e se dirigiram para o vestiário tomar banho. Antes de entrar, vimos Dante sair visivelmente irritado. Todos ficaram preocupados, era como uma bomba pronta para explodir.

***

— O jogo já está perto — disse Saulo mordendo com vontade seu sanduíche.

— Com esse monstro na defesa nem precisamos nos preocupar! — Juan apontava para mim, animado.

— Esse toco foi histórico! — ria Gringo.

Não entendia bem o que realmente tinha feito, do porque estavam todos tão animados. Para mim tinha sido apenas uma defesa.

— Você fez o que poucos conseguiram fazer. Só Big que consegue às vezes — falava Sid apontando para o jovem grandalhão que estava distraído com seu lanche farto.

A lanchonete que estávamos parecia habituada a bagunça e a conversa alta dos jovens jogadores de basquete. Eram tratados como clientes preferenciais. Notava a diferença de minha cidade natal, a noite parecia tão movimentada quanto o dia.

— Falando sério — o capitão começou a dizer — não podemos ficar dependentes de Dante esse ano. Ele joga para ele e não podemos ficar à disposição da vontade dele.

— Ele não podia ser igual Dani… — Gringo mordia metade de uma batata frita pensativo.

— Por mim ele nem estaria no time.

— Que isso, Saulo! — Juan se assustou com a afirmação. — Dante é meu amigo, sei que ele é insuportável em alguns momentos.

— Ele só não é insuportável quando está dormindo — interrompeu Saulo.

— Ouvi dizer que ele ronca! — brincou Gringo.

— Então nem assim — completou Saulo.

— Mas com Dante, nós podemos chegar muito mais longe.

— Mas qual é o preço, Juan? Eu vejo que todos jogam melhor quando é Daniela que está no time e não Dante. São raras as vezes que ele passa a bola! Ele gosta de humilhar os adversários, discute com frequência com os jogadores de qualquer time.

— Vamos fazer Daniela se passar por homem! — Sid dava sua sugestão rindo.

— Pior que eles são assustadoramente parecidos — Gringo por um momento parou de comer imaginando.

— Verdade! — Juan confirmava. — Mas eles são como Yin Yang. De parecidos só tem a cara! E o talento, claro. Mas o resto, muita diferença!

— Eu acho Dante um cara legal — disse Big para a surpresa de todos. Não falava muito, mas quando dizia costumavam parar para ouvir. — Foi ele que me ensinou a jogar basquete na antiga escola que estudávamos. Já faz alguns anos, mas na época ele parecia diferente. Era legal comigo.

Treinamento

— Big, você nunca falou que já estudaram juntos — disse Gringo.

— Foi na sexta série. Mas no meio do ano, não sei o que aconteceu, ele mudou. Parou de falar comigo. Foi expulso do time de basquete depois de ter brigado com o treinador. E mudou de escola um tempo depois.

— Sid, você que é nerd — começou a dizer Juan. — O novato também tem cara de inteligente. Se juntem e criem uma máquina do tempo e salve o Dante desse futuro de ignorância.

Rimos com as brincadeiras que seguiram, imaginando o que encontrariam no passado. Mal os conhecia, mas já me sentia parte do time. Naquele momento minha barriga já estava doendo de tanto rir das brincadeiras exageradas de Juan e Gringo. Nem mesmo Saulo, com seu jeito sério resistia às palhaçadas. E eu entendi o porquê Sid, mesmo temendo os jogos, preferia não sair do time. Zoavam uns aos outros por coisas irrelevantes e em muitos momentos sem sentido, parecia ter graça apenas para aquele grupo de jovens.

— É verdade que o time nunca ganhou nada? — quis saber.

— Campeonato não… — dizia Saulo com uma estranha animação. — Em todos os anos de história dos Bravos, o máximo que chegamos foi na semifinal do intercolegial que foi ano passado.

— Foi a partida que Dante faltou — justificava Juan.

— Por isso não podemos depender dele esse ano!

— O miserável entrou no time ano passado e por isso conseguimos chegar tão longe. Precisamos dele no time.

— Então precisamos treinar mais duro para não ficar dependendo dele — disse.

— O novato disse tudo! — confirmava Gringo. — Estamos muito a baixo do talento de Dante, precisamos compensar no esforço.

— Eu andei pesquisando…

— Nerd! — brincou Juan.

— O melhor jogador de basquete da história do Brasil, o Oscar — continuei —, treinava mil arremessos após os treinos. E mesmo sendo talentoso, acredito eu, que todos esse esforço foi o diferencial para ele ganhar o apelido de mão santa, e tenha conquistado tanto respeito por ser um ótimo jogador. Mesmo que a gente não chegue a ter nível profissional, mas se treinarmos muito, com certeza vamos melhorar.

— Isso é verdade — confirmou o capitão.

— Existem estudos que… — fiz uma pausa esperando Juan me chamar de nerd e todos perceberam que o armador realmente iria falar.

— Nem preciso dizer mais nada ne…

— Continuando: segundo estudos, se praticarmos corretamente qualquer atividade por dez mil horas nos tornamos excelentes nessa atividade. Mesmo que existam pessoas melhores, mas o talento pode ser superado pelo esforço.

— Segundo Einstein —completou Sid — sucesso é 99% transpiração e 1% inspiração.

— Eles estão certos! Não há atalhos. Se quisermos ganhar algum campeonato esse ano, precisamos nos esforçar!

— É isso aí, capitão! — Gringo confirmava. — No próximo treino vou pedir para Dani pegar pesado!

— Obrigado, seus nerds! — Juan fazia uma expressão de cansaço só de imaginar o que teria que fazer e todos riram incluindo ele.

***

No treino seguinte cheguei ao mesmo tempo que Daniela. Treinamos arremessos e conversávamos de forma descontraída. Admirava a desenvoltura e talento dela, enquanto ela fazia questão de me ajudar a melhorar em cada detalhe relacionado ao basquete. Sua paciência de ensinar era surpreendente, e eu me esforçava para que ela não pensasse que estava falando à toa. Conversávamos sobre esportes, sobre a escola, filmes, séries durante o treino. Descobria mais coisas sobre o sonho dela de jogar na WNBA, e acreditava cada vez mais que seria possível testemunhando o talento dela.

— E você, o que pretende fazer? — ela perguntou.

— Eu ainda não sei… Mas eu gosto de pesquisar, aprender, descobrir.

— Vai virar um cientista então — ela riu.

— Talvez eu vire um pesquisador na área esportiva. Quem sabe? — era uma opção que pensei na hora, e de alguma forma fez sentido.

Enquanto conversávamos os outros membros do time chegaram animados para o treino. Até mesmo Juan estava disposto. A treinadora motivada pela disposição de seus jogadores, fez o treino render, indo até mais tarde que o horário habitual. Todos estavam exaustos, mas animados. Dante faltou ao treino e sua ausência não fez falta.

Os treinos seguintes continuaram no mesmo ritmo. Eu e Daniela chegávamos sempre mais cedo e seguíamos treinando fundamentos além de arremessos. E quanto mais se aproximava a partida, mais intensos ficavam os treinos.

Dante manteve o costume de chegar apenas no final dos treinos, mas notou uma grande diferença na postura do time. Nas partidas que jogávamos para encerrar os treinos, sentia mais dificuldade para passar da defesa, como se todos estivessem se esforçando ao máximo mesmo em treinos comuns.

Na véspera da partida amistosa o treino foi mais leve, precisávamos nos poupar. Encarávamos como se fosse uma partida de campeonato. Eu estava ansioso, seria meu primeiro jogo. Tentava não imaginar a arquibancada lotada me assistindo jogar, a cena em minha cabeça piorava meu nervosismo. Mesmo confiante com todos os treinos com Daniela, a timidez era algo que evitava enfrentar até aquele momento.

***

Meu celular tocou ao receber uma mensagem, dez minutos antes do horário que programei para o despertador tocar. Ainda sonolento por ter dormido pouco, despertei ao ver que era uma mensagem de Daniela.

“Acorda dorminhoco! Bom dia. Hoje é seu dia de brilhar!”

Era a primeira mensagem que ela haviaenviado para mim. Foram palavras simples, mas inesperadas e me fez pensar em possibilidades. Se dissesse que não pensava nela às vezes seria mentira. E a cada treino juntos era mais difícil evitar. Tentava desviar meus pensamentos e me concentrar na partida daquele dia.

Quando estava pronto para sair meu pai perguntou:

— Aonde você vai?

— Sair com uns amigos.

— Assim tão cedo? Posso saber para onde?

— Vamos fazer uma trilha — menti de forma natural, estava pronto para esse diálogo.

— Não vai tomar café?

— Vou comer no caminho.

Meu pai voltou a ler o jornal. Estava de terno como sempre costumava estar. Pareceu não se importar com quem seu filho sairia. Pensei que era apenas ele tentando interpretar seu papel de pai.

Próximo Capítulo

A Última Jogada | Capítulos

Quer aprender a fazer desenhos INCRÍVEIS?

desenhando sem dom

Aprenda a desenhar com um método eficiente.

Desenhando sem Dom

Aprenda a fazer desenhos realistas com técnicas simples e aulas práticas 100% online.

Talvez você pense que aprender a desenhar seja algo muito difícil. Mas é perfeitamente possível alcançar um nível profissional e fazer desenhos incríveis seguindo um método eficiente.

Clique agora para saber mais detalhes.

Guilherme Orbe

Desenhista, escritor e sonhador. Comecei a criar histórias na infância e nunca mais parei. No começo me dediquei as histórias em quadrinhos, onde desenvolvi minhas habilidades de desenho. Hoje me dedico a literatura, e transformo minhas histórias em livros. Criar histórias é meu passatempo favorito.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *