Histórias,  Memórias de um Soldado

Memórias de um Soldado #3: O treinamento

O dia começou calmo. Estava começando a me acostumar com a rotina. Estava sempre um de vigia no alto da torre e os turnos eram de quatro em quatro horas. O da vez era Iori e ele costumava ficar agitado em suas vigílias, como se não conseguisse ficar muito tempo parado. Lyunis era o responsável pela comida, por cuidar dos animais e a horta, como essas eram suas obrigações, ele não revezava em turnos no alto da torre. Todas as outras funções como limpeza e organização eram divididas igualmente. Todos cuidavam do capitão, que dificilmente saia de seu quarto.

Arvih treinava todos os dias com sua espada longa, repetia os movimentos de ataque incansavelmente. Treinava estocadas com lanças e combate com escudo, parecia ser o único a se importar em manter suas habilidades tão afiadas quanto suas armas. E neste dia resolvi me juntar a ele no treino. Arvih me dava dicas de como usar melhor a espada e aproveitar melhor o peso da arma. Era habilidoso com a espada, parecia ser experiente. Perguntava em meus pensamentos o por que dele ter sido enviado para o fim do mundo.

Começamos a lutar com espadas de treino e ouvi o grito de Lyunis:

— Eu aposto uma galinha que o grandão vai atropelar o novato. E você Iori?

— Eu aposto uma batata no garoto — gritou Iori do alto da torre.

Eles riam enquanto Arvih avançava me atacando e eu me defendia o quanto podia. Ele me derrubou e apontou a espada na direção do meu rosto. Foi rápido demais para eu entender o que aconteceu.

— Você está focando sua visão apenas na minha arma — Arvih começou a dizer. — Tudo que está em volta pode te ajudar ou atrapalhar, e a espada não é sua única arma.

Levantei para uma segunda tentativa.

— Quero minha batata, Iori — Lyunis riu.

— Aproveita e faz um ensopado com a sua galinha — Iori respondeu.

Duelei novamente com Arvih, resisti um pouco mais, porém dessa vez ele me desarmou segurando meu braço e me jogou outra vez no chão.

— Desse jeito você nunca vai ganhar de alguém maior que você — dizia o Capitão caminhando com auxílio de uma bengala para se manter de pé. — Desvie e mire nas pernas dele.

O Capitão sentou recostando na parede, parecia ter feito um grande esforço para chegar ali.

Segui as instruções do capitão e consegui acertar Arvih na perna, que deu um passo à frente e acertou minhas costas com o cabo da espada. Cai outra vez no chão, dessa vez com bastante dor.

— Você está bem, Capitão? — quis saber Arvih, era o que mais se preocupava com ele.

— Não se preocupe, não vou morre hoje — ele respondeu.

Continuamos treinando e Arvih e o Capitão me davam dicas de como posicionar minhas pernas, como deveria atacar, detalhes que não ensinavam no quartel onde fui treinado. Eles pareciam bem experientes, vividos de muitas batalhas. Prestava atenção em cada lição ou conselho.

— Por que foi enviado para cá? — perguntei a Arvih enquanto lutávamos.

— Para ficar em paz.

— Como assim? — insisti.

— Eu era o pior da minha companhia. Lutava muito mal, era ruim em tudo. E todos me humilhavam por não conseguir vencer ninguém nas disputas que fazíamos. Comecei a treinar sozinho todos os dias, e comecei a aprender, mas já não queria ficar entre eles. Não queria confiar a minha vida a soldados que não mereciam o meu respeito. Cheguei a lutar em algumas batalhas, mas me sentia sozinho nas guerras, só contava com minhas habilidades. Eles começaram a me deixar em paz porque depois de alguns tempo ninguém mais me vencia. E eu pedi transferência para longe. Meus superiores não gostaram da minha atitude e me enviaram para cá, e riram quando fizeram isso.

Eu fiquei sem palavras e ele continuou:

— E eu gosto de ficar aqui. Nos veem como fracassados por estarmos aqui, mas a meu ver, soldado é soldado em qualquer lugar. Estou servindo, como devo fazer.

Continuamos a treinar, mas não por muito mais tempo. O capitão começou a passar mal e o levamos para seu quarto. Ele dormiu em um sono pesado e a febre estava mais forte. Tratamos dele como conseguíamos, mas a vida dele estava cada vez mais frágil.

Era a hora do jantar e a troca de turno foi feita.

— Por que o capitão veio parar aqui?

Iori olhou para Lyunis antes de me responder. Estava só nós três no refeitório modesto da torre.

— Ele na verdade não é um capitão, ou melhor, não é mais.

— Chamamos ele de capitão porque o respeitamos como um — completou Lyunis. — Ele se chama Hanton e oficialmente ele é apenas um encarregado de uma torre considerada inútil.

— O que aconteceu com ele?

— Ele perdeu sua patente por desonra — começou a dizer Iori. — Ele era considerado um grande capitão, com muitos feitos em batalhas, conhecido por ser um bom estrategista. Mas ele perdeu sua família em uma invasão inimiga e nunca mais foi o mesmo. Ficou desequilibrado e em uma batalha que já estava perdida e ele recuou contra a vontade do general. Fugiu da batalha e foi encontrado dias depois e parecia não ser mais o mesmo.

— E foi enviado para cá — completou Lyunis. — Aqui ele aos poucos voltou a ser o homem que era. Quando chegamos aqui, essa torre estava em um estado lastimável, e ninguém parecia se importar. Ele reparou ela pedra por pedra. Organizou nossas funções, acolheu o grandão e dispensou dois inúteis que tinha aqui antes. Ele colocou ordem na torre. Mas ele pegou uma doença que não sabemos qual é e nem como curar. E faz duas estações que ele está esperando a morte.

— Ninguém nos escuta quando pedimos médicos ou qualquer outra coisa. Ele não vai resisti por muito tempo.

— E se formos buscar um curandeiro?

— Já tentamos. Não tem nenhum por perto e o da fortaleza mais próxima não pode sair. Não há o que fazer — disse Iori desanimado.

— É melhor que você entenda o quanto antes, garoto. Nós estamos sozinhos aqui.

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Sinopse

Lenna, uma renomada caçadora de titãs, com sua companhia, é enviada para investigar uma cidade em ruínas que dizem ter sido devastada por um ataque de titã. Após uma batalha noturna, sua vida corre perigo e precisa contar com a ajuda de um jovem misterioso para sobreviver.

A Era dos Titãs

Guilherme Orbe

Desenhista, escritor e sonhador. Comecei a criar histórias na infância e nunca mais parei. No começo me dediquei as histórias em quadrinhos, onde desenvolvi minhas habilidades de desenho. Hoje me dedico a literatura, e transformo minhas histórias em livros. Criar histórias é meu passatempo favorito.

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